REFLEXÃO SOBRE O LIVRO DIDÁTICO
O livro didático tem sido objeto de debate
e reflexão, havendo várias posições a respeito de seu uso. Em um extremo, há os
que argumentam que o livro didático (LD) deveria ser abolido totalmente das
salas de aula – e escolas que assim o fazem criam suas próprias apostilas, ou
adotam material pronto ou, ainda, permitem que os professores criem seu próprio
material. Por outro lado, vemos um apego excessivo ao LD, de forma que ele
passa a ser o programa da disciplina ensinada, ditando o que deve e não deve
ser ensinado e funciona como mediador entre teorias da aquisição e o professor
(D’Ely & Mota, 2004:71). Uma prova de como essa idéia de que o livro
didático possui supremacia absoluta no ensino está de tal forma arraigada em
nossas salas de aula é quando, por exemplo, um professor decide não utilizar
determinada atividade e ‘pular’ para a seguinte e o aluno logo pergunta: “E a
atividade X, professor?”.
Entre um e outro extremo, há várias
nuances. Primeiro, há que se ressaltar que não existe livro didático ideal e
que ele constitui apenas uma
ferramenta na educação. Além disso, o papel
do professor é importante para levar os alunos a pensar de modo crítico e a
apropriarem-se dos gêneros discursivos (propostos ou não) pelo LD adotado pela
instituição de ensino.
O livro didático está inserido em um
contexto sócio-cultural global já que é utilizado em múltiplos contextos que
variam de acordo com as condições sociais e culturais de diferentes grupos.
Além disso, o LD também se relaciona com o contexto individual do aluno, no seu
aspecto social, ou seja, com sua inserção no mundo como indivíduo que está
envolvido em diferentes práticas sociais no seu dia-a-dia. O LD está ainda
relacionado com o contexto de ensino-aprendizagem, ou seja, o ambiente formal
de ensino, como cursos de línguas, escolas ou até mesmo aulas particulares.
O livro didático apresenta outras características: 1) intertextualidade
– uso de outras fontes ou textos e 2) interdiscursividade – uso de elementos
que carregam significados sociais e institucionais de outras comunidades. Esse
caráter intertextual do livro didático de língua estrangeira é o que vai
possibilitar a presença dos mais variados gêneros discursivos em cada livro.
Por todas as razões acima, o livro didático se constitui atualmente em rica
fonte de pesquisa e análise (Chiaretti, 1996; Coracini, 1999; Rufino, 2003;
Carmagnani, 2003; D’Ely & Mota, 2004; Zilles, 2004; Conceição, 2005; Ticks,
2005), visando, através do olhar crítico e de novas contribuições, desencadear
a produção de material que, cada vez mais, atenda às exigências de um ensino
voltado para a apropriação de gêneros, visto que estes são considerados como
“um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades
comunicativas humanas” (Marcuschi, 2002).
Embora não seja considerado obrigatório o
uso do livro didático no contexto de ensino-aprendizagem, em qualquer que seja
a disciplina, dificilmente entramos em uma sala de aula da língua estrangeira –
quer em escolas regulares, quer em cursos de idiomas, em que um livro, ou mesmo
partes de um livro, não esteja sendo usado. Desta maneira, não é de se
estranhar que os livros didáticos ainda sejam a ferramenta de ensino mais
importante. Apesar de, em dados momentos da evolução do pensamento sobre
ensino-aprendizagem, ter havido a tentativa de se fazer com que os alunos descobrissem
as verdades científicas por si mesmos.
Para Lopes-Rossi (2002:21), a questão da
dependência do professor em relação ao livro didático deve-se a “uma série de
deficiências de formação e de infraestrutura no país”. Cabe, ainda, acrescentar
que o livro texto vem geralmente carregado de grande autoridade, de modo que as
percepções dos professores tornam se irrelevantes, além de a relação
professor-autor nem sempre possibilitar uma postura crítica dos professores
através de um canal direto com o autor (Olson,1989:240).
Apesar de suas fraquezas, como, por
exemplo, levar os alunos à falsa crença da neutralidade e objetividade do
discurso escrito, o “livro texto é útil no que se refere a uma maneira
organizada de se ver a disciplina” e é também um gênero mais familiar aos
alunos (Johns, 1997), além de poder funcionar como um facilitador do papel do
professor no ensino (Hyland, 2000:104).
O papel dos professores face ao seu uso
deva ser crítico, para:
a) ajudar os alunos a entenderem que, “como
todos os gêneros, os livros didáticos são motivados por uma variedade de
forças” (Johns, 1997);
b) considerar seu caráter mais dialógico
com o avaliador-leitor (nós professores) do que com o consumidor-leitor (nossos
alunos) (Swales, 1995, p.6 apud
Johns, 1997);
c) servir como uma ferramenta
e não simplesmente a única ferramenta de ensino (Olson, 1989);
d) levar em consideração a realidade
sócio-cultural e não meramente lingüística da língua estudada (Meurer, 2000).
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