domingo, abril 17, 2016

Análise do discurso de trecho do livro Cabeça de Porco II

O livro Cabeça de porco é fruto de uma parceria entre MV Bill (Rapper), Luiz Eduardo Soares (Antropólogo) e Celso Athayde (Produtor de MV Bill, idealizador e coordenador da CUFA - Central Única das Favelas) onde se reuniram em um só tema. A obra nos aponta temas como a violência nas favelas, as "ramificações" da vida no morro, que são a criminalidade, drogas ou tráfico, além da desestruturação familiar, o desamparo social, a corrupção da polícia, o racismo.
A obra parte de uma pesquisa que MV Bill e Celso Athayde iniciaram para retratar como vivem as comunidades marginalizadas. Eles percorreram o Brasil de Norte a Sul e visitaram as favelas mais conhecidas pela violência e criminalidade, uma jornada angustiante a cada parada. Vivem a realidade de um Brasil que poucos conhecem e por isso mesmo quem nos apresenta esse contexto são os relatos de moradores, com histórias marcadas pelo sofrimento da violência, das drogas e mortes.
No capítulo IV, intitulado como Invisibilidade e reconhecimento destacamos  o texto “ Invisibilidade, Reconhecimento e a Fonte Afetiva do Crime” ( p.175), e é a partir deste enunciado e de alguns trechos do referido texto, que iremos fazer uma análise de discurso de linha francesa, abordando os seguintes conceitos: Discurso, Sujeito e Formação discursiva.
A Análise do Discurso iniciou-se na França, na década de 60, com as publicações da Revista Langages, nº13, de Jean Dubois, em 1969, e do livro Análise automática do discurso, de Michel Pêcheux, também em 1969. A Análise do Discurso caracteriza-se como uma “transdisciplina” de interpretação que busca compreender o processo que leva à construção dos sentidos, pensando na relação entre a língua, discurso e ideologia. De acordo com Orlandi (2007, p. 17), “o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos”.   

Destacamos o trecho do  livro Cabeça de Porco para analisarmos,

Um jovem pobre e negro caminhando pelas ruas de uma grande cidade brasileira é um ser socialmente invisível.[...] Uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma, um preconceito. Quando o fazemos, anulamos a pessoa e só vemos o reflexo de nossa própria intolerância. Tudo aquilo que distingue a pessoa, tornando-a um indivíduo, tudo o que nela é singular, desaparece. O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos [ATHAYDE, Celso; BILL, MV; SOARES, Luís Eduardo.  P. 175].

Sabemos que as diferentes formas de viver a juventude, de ir a busca das suas necessidades, faz da cidade um lugar de representações simbólicas, sociais e físicas, onde se constroem as condições pessoais para o viver. O sentido de reconhecimento em que os jovens apontam como necessidade cidadã e muitas vezes ignorados pelos órgãos públicos, no tocante a ausência de oportunidades congruentes com as reais necessidades da juventude, pode ser entendida como sendo uma necessidade de auto-valorização e respeito pelas diferenças. No entanto, muitos desses jovens não tem essa oportunidade e passam despercebidos pela vida, o que nos faz questionar de que forma ou quando as pessoas são consideradas invisíveis para a sociedade.
É notável que a nossa sociedade é desigual, embora permaneça um discurso de que todos nós somos iguais perante a lei, mas  apenas no papel porque a todo momento tem pessoas que são vítimas de preconceito diversos, no trecho  em estudo ser foco de discriminação pela origem ou cor da pele gera revolta e reivindicação por oportunidades iguais.
Tendo em vista a formação discursiva que se define como aquilo que numa formação ideológica dada, ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica determina o que pode  e deve ser dito. Encontramos nesse trecho a presença de um discurso capitalista, em que  a diferenciação das classes sociais através de um estereótipo  (pobre/rico), ou seja, o fato de ser pobre já é a culpa de todos os problemas que surgirem, rotulando-os como “ moleque perigoso ou guria perdida”, cujo comportamento já é previsível, resultados de estigmas associados à pobreza, os que derivam do racismo.
 Esses jovens estão inseridos em uma sociedade historicamente preconceituosa, jovens moradores de favelas, em sua grande maioria afrodescendentes, são impedidos de desfrutar de uma vida digna, com igualdade e oportunidade de acesso aos bens necessários à existência humana, como trabalho, habitação, saúde, educação, lazer e reconhecimento, fatores estruturais que constituem a condição para efetivação da cidadania. Dentre os fatores gerados pelas práticas excludentes percebemos a incansável busca pela visibilidade social que alguns jovens manifestam através do fascínio por  status e sedução proporcionados pelas armas de fogo, as quais representam para eles reconhecimento e poder.
Nesse trecho observamos um discurso em busca de um status mais elevado, uma ambição em mudar de vida de maneira fácil e rápida sem ao menos pensar nas conseqüências de seus atos, a única coisa que às vezes interessa é a satisfação do seu ego, a elevação da sua auto-estima mesmo que de maneira ilícita.
A transfiguração da identidade decorre da concepção problemática dos estereótipos, os quais têm assumido sacralidade na vida social, apesar de a priori não haver razão para tal legitimação. Os estereótipos estão diretamente atrelados às idéias preconcebidas a respeito de determinado assunto, pessoa ou imagem e podem gerar uma sistematização de ações que altera completamente a maneira pelo qual o outro passa a ser percebido em função da rotulação ou especificação dada a determinado grupo social. É o que se verifica no trecho abaixo:

Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto, a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida. Quem está ali é o “moleque perigoso” ou a “guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lança sobre uma pessoa um estigma correspondente a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma  o medo que dispara a violência, preventivamente (Invisibilidade, reconhecimento e a fonte afetiva do crime, por Luís Eduardo Soares, p. 175)


            Os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “ profecia que se autocumpre” Esses pessoas entram nessa vida e tornam-se “ invisíveis”  invisíveis porque nada é feito para reforçar a auto estima, apenas os colocam ( quando colocam) em instituições que os humilham, agridem, eliminando suas chances de regeneração, de recomeço.
O fato é que enquanto seres humanos, tudo o que vivemos nos diz respeito, e precisamos tomar atitudes que apontem uma melhoria na qualidade de vida dessas pessoas que vivem em favelas e que não são vistos pelo poder público, ao não ser em campanhas eleitorais, como diz o livro Cabeça de porco, porque somos cúmplices da sociedade em que vivemos – com seus defeitos e qualidades, - por omissão ou contribuição ativa” ( p.223), e assim se nada fizermos essas pessoas continuarão invisíveis aos nossos olhos no dia a dia sendo preciso torná-las visíveis em toda a comunidade/sociedade, assim como na mídia e não apenas  visível apenas quando eles fizerem mal a alguém como roubando ou matando como é retratada atualmente.






Referências

MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Young. Trad. Angelina Peralva. Estocolmo: v. 4, nº 2, 1996, p. 3-14.

SOARES, Luiz Eduardo; MV Bill, ATHAYDE, Celso. Cabeça de Porco. Rio de janeiro: Objetiva, 2005.

ALVES, Aline; BRITO, Glauber; LIMA, Jaiane; MODESTO, Cristiane; PEREIRA, Adilton; QUADROS, Adriana. Cadeia da Violência. F2J. Salvador. Junho/2006.






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