O livro Cabeça de porco é fruto de uma parceria entre MV Bill (Rapper),
Luiz Eduardo Soares (Antropólogo) e Celso Athayde (Produtor de MV Bill,
idealizador e coordenador da CUFA - Central Única das Favelas) onde se reuniram
em um só tema. A obra nos aponta temas como a violência nas favelas, as
"ramificações" da vida no morro, que são a criminalidade, drogas ou
tráfico, além da desestruturação familiar, o desamparo social, a corrupção da
polícia, o racismo.
A obra parte de uma pesquisa que MV Bill e Celso Athayde iniciaram para
retratar como vivem as comunidades marginalizadas. Eles percorreram o Brasil de
Norte a Sul e visitaram as favelas mais conhecidas pela violência e
criminalidade, uma jornada angustiante a cada parada. Vivem a realidade de um Brasil
que poucos conhecem e por isso mesmo quem nos apresenta esse contexto são os
relatos de moradores, com histórias marcadas pelo sofrimento da violência, das
drogas e mortes.
No capítulo IV, intitulado como Invisibilidade e reconhecimento destacamos
o texto “ Invisibilidade, Reconhecimento
e a Fonte Afetiva do Crime” ( p.175), e é a partir deste enunciado e de alguns
trechos do referido texto, que iremos fazer uma análise de discurso de linha
francesa, abordando os seguintes conceitos: Discurso, Sujeito e Formação
discursiva.
A Análise do Discurso iniciou-se na França,
na década de 60, com as publicações da Revista Langages, nº13, de Jean Dubois,
em 1969, e do livro Análise
automática do discurso, de Michel Pêcheux, também em 1969. A Análise do Discurso caracteriza-se
como uma “transdisciplina” de interpretação que busca compreender o processo
que leva à construção dos sentidos, pensando na relação entre a língua,
discurso e ideologia. De acordo com Orlandi (2007, p. 17), “o discurso é o
lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os
sujeitos”.
Destacamos o trecho do livro Cabeça de Porco para analisarmos,
Um jovem pobre e negro caminhando
pelas ruas de uma grande cidade brasileira é um ser socialmente invisível.[...]
Uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele
ou ela um estigma, um preconceito. Quando o fazemos, anulamos a pessoa e só
vemos o reflexo de nossa própria intolerância. Tudo aquilo que distingue a
pessoa, tornando-a um indivíduo, tudo o que nela é singular, desaparece. O
estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado
e a classificação que lhe impomos [ATHAYDE, Celso; BILL, MV; SOARES, Luís Eduardo. P. 175].
Sabemos que as diferentes formas de viver a
juventude, de ir a busca das suas necessidades, faz da cidade um lugar de
representações simbólicas, sociais e físicas, onde se constroem as condições
pessoais para o viver. O sentido de reconhecimento em que os jovens apontam
como necessidade cidadã e muitas vezes ignorados pelos órgãos públicos, no
tocante a ausência de oportunidades congruentes com as reais necessidades da
juventude, pode ser entendida como sendo uma necessidade de auto-valorização e
respeito pelas diferenças. No entanto, muitos desses jovens não tem essa
oportunidade e passam despercebidos pela vida, o que nos faz questionar de que
forma ou quando as pessoas são consideradas invisíveis para a sociedade.
É notável que a nossa sociedade é desigual, embora
permaneça um discurso de que todos nós somos iguais perante a lei, mas apenas no papel porque a todo momento tem
pessoas que são vítimas de preconceito diversos, no trecho em estudo ser foco de discriminação pela
origem ou cor da pele gera revolta e reivindicação por oportunidades iguais.
Tendo em vista a formação discursiva que se define
como aquilo que numa formação ideológica dada, ou seja, a partir de uma posição
dada em uma conjuntura sócio-histórica determina o que pode e deve ser dito. Encontramos nesse trecho a presença de um
discurso capitalista, em que a
diferenciação das classes sociais através de um estereótipo (pobre/rico), ou seja, o fato de ser pobre já
é a culpa de todos os problemas que surgirem, rotulando-os como “ moleque
perigoso ou guria perdida”, cujo comportamento já é previsível, resultados de
estigmas associados à pobreza, os que derivam do racismo.
Esses jovens estão inseridos em uma sociedade
historicamente preconceituosa, jovens moradores de favelas, em sua grande
maioria afrodescendentes, são impedidos de desfrutar de uma vida digna, com
igualdade e oportunidade de acesso aos bens necessários à existência humana,
como trabalho, habitação, saúde, educação, lazer e reconhecimento, fatores estruturais
que constituem a condição para efetivação da cidadania. Dentre os fatores gerados pelas práticas excludentes
percebemos a incansável busca pela visibilidade social que alguns jovens
manifestam através do fascínio por
status e sedução proporcionados pelas armas de fogo, as quais
representam para eles reconhecimento e poder.
Nesse trecho observamos um discurso em busca de
um status mais elevado, uma ambição em mudar de vida de maneira fácil e rápida
sem ao menos pensar nas conseqüências de seus atos, a única coisa que às vezes
interessa é a satisfação do seu ego, a elevação da sua auto-estima mesmo que de
maneira ilícita.
A transfiguração da identidade decorre da
concepção problemática dos estereótipos, os quais têm assumido sacralidade na
vida social, apesar de a priori não haver razão para tal legitimação.
Os estereótipos estão diretamente atrelados às idéias preconcebidas a respeito
de determinado assunto, pessoa ou imagem e podem gerar uma sistematização de
ações que altera completamente a maneira pelo qual o outro passa a ser
percebido em função da rotulação ou especificação dada a determinado grupo
social. É o que se verifica no trecho abaixo:
Quem está ali na esquina
não é o Pedro, o Roberto, a Maria, com suas respectivas idades e histórias de
vida. Quem está ali é o “moleque perigoso” ou a “guria perdida”, cujo
comportamento passa a ser previsível. Lança sobre uma pessoa um estigma
correspondente a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu
comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como
aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga,
também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a
violência, preventivamente (Invisibilidade, reconhecimento e a fonte afetiva do
crime, por Luís Eduardo Soares, p. 175)
Os
cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “ profecia que se
autocumpre” Esses pessoas entram nessa vida e tornam-se “ invisíveis” invisíveis porque nada é feito para reforçar a
auto estima, apenas os colocam ( quando colocam) em instituições que os
humilham, agridem, eliminando suas chances de regeneração, de recomeço.
O fato é que enquanto seres humanos, tudo o que
vivemos nos diz respeito, e precisamos tomar atitudes que apontem uma melhoria
na qualidade de vida dessas pessoas que vivem em favelas e que não são vistos
pelo poder público, ao não ser em campanhas eleitorais, como diz o livro Cabeça
de porco, porque somos cúmplices da sociedade em que vivemos – com seus defeitos
e qualidades, - por omissão ou contribuição ativa” ( p.223), e assim se nada
fizermos essas pessoas continuarão invisíveis aos nossos olhos no dia a dia
sendo preciso torná-las visíveis em toda a comunidade/sociedade, assim como na
mídia e não apenas visível apenas quando
eles fizerem mal a alguém como roubando ou matando como é retratada atualmente.
Referências
MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais.
Revista Young. Trad. Angelina Peralva. Estocolmo: v. 4, nº 2, 1996, p. 3-14.
SOARES, Luiz Eduardo; MV Bill, ATHAYDE, Celso. Cabeça de
Porco. Rio de janeiro: Objetiva, 2005.
ALVES,
Aline; BRITO, Glauber; LIMA, Jaiane; MODESTO, Cristiane; PEREIRA, Adilton;
QUADROS, Adriana. Cadeia da Violência. F2J. Salvador. Junho/2006.
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